Deputados franceses começam a debater moções de censura contra o governo
Os deputados de esquerda e de extrema direita devem derrubar, nesta quarta-feira (4), exceto em caso de grande surpresa, o governo do primeiro-ministro francês, Michel Barnier, após menos de 100 dias no poder, aprofundando a crise política na segunda economia da União Europeia (UE).
Pouco antes das 13h de Brasília, os deputados começaram a debater as duas moções de censura apresentadas contra o governo de Barnier, que necessitam de pelo menos 288 votos para prosperar. Os grupos de oposição somam quase 330 cadeiras.
"Seu fracasso (de Barnier) estava anunciado e foi estrondoso", afirmou o deputado de esquerda Eric Coquerel, ao defender a moção de censura da coalizão de esquerda Nova Frente Popular (NFP) contra um governo que ele qualificou como "ilegítimo".
O primeiro-ministro conservador, de 73 anos, faz um apelo à "responsabilidade" dos deputados para que não derrubem o governo, em um momento econômico tenso, com prêmio de risco da dívida francesa em um nível similar ao da Grécia.
Além disso, a instabilidade na França e a crise de governo na Alemanha, que precisou antecipar as eleições legislativas para 23 de fevereiro, podem afetar a UE, a poucas semanas do retorno de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos.
"O interesse do país é mais importante que o interesse dos partidos", enfatizou na terça-feira o presidente francês, Emmanuel Macron, durante uma visita oficial à Arábia Saudita, ao mesmo tempo que tentou acalmar os mercados ao afirmar que a "economia é forte".
Em uma demonstração de que "os investidores já antecipam a queda do governo", segundo John Plassard, analista do banco Mirabaud, a Bolsa de Paris operava em alta de 0,83% no início da tarde, depois de fechar com resultado positivo (+0,26%) na terça-feira.
Se o governo cair, Macron, que não é afetado pela moção de censura, poderia nomear Barnier novamente ou outro primeiro-ministro, mas o equilíbrio no Parlamento permaneceria o mesmo, já que ele não pode convocar eleições legislativas antecipadas até meados de 2025.
- Barnier, o breve -
A aprovação da moção de censura tornaria o governo de Barnier o mais curto da Quinta República francesa, que começou em 1958, e o segundo a cair, depois da administração de Georges Pompidou em 1962, quando Charles de Gaulle era presidente.
Além disso, e ainda mais importante, aprofundaria a crise política que o país enfrenta desde junho, quando o presidente surpreendeu o país e antecipou as legislações, que estavam previstas para 2027, após a vitória da extrema direita nas eleições para o Parlamento Europeu na França.
Embora o presidente de centro-direita já tivesse perdido a maioria absoluta após sua reeleição em 2022, as novas eleições resultaram em uma Assembleia sem maioria clara e dividida em três blocos irreconciliáveis: esquerda, centro-direita e extrema direita.
A NFP - coalizão de socialistas, comunistas, ambientalistas e integrantes da esquerda radical - venceu as eleições, mas, quase dois meses depois, Macron nomeou Barnier, ex-negociador europeu para o Brexit, como primeiro-ministro, em nome da "estabilidade".
Barnier só conseguiu o apoio da aliança de centro-direita de Macron e de seu próprio partido conservador, Os Republicanos (LR), o que significa que a sobrevivência de seu governo dependia da líder de extrema direita Marine Le Pen, que finalmente decidiu pela queda.
A negociação dos orçamentos para 2025 foi o gatilho da moção de censura. Apesar de várias concessões obtidas, Le Pen estabeleceu como limite que o governo desistisse de adiar parte da revalorização das pensões de janeiro para julho, em vão.
- "Ficção política" -
Com um orçamento concentrado na redução do gasto público e no aumento temporário dos impostos para grandes empresas, o governo pretendia reduzir o déficit (projetado para 6,1% do PIB em 2024) e a dívida pública (112% do PIB no final de junho).
Barnier se defendeu e afirmou que modificou seu projeto depois que o governo "ouviu todos". Ele acusou Le Pen de entrar em "uma espécie de disputa", com reivindicações sem fim.
Além do orçamento, os partidos jogam suas cartas para 2027, quando os franceses terão que votar para escolher o sucessor de Macron, que chegou ao poder em 2017 e não pode ser reeleito após completar seu segundo mandato.
No momento em que a maioria dos franceses considera Macron o responsável pela situação atual e com sua popularidade em baixa, cada vez mais vozes pedem a renúncia do chefe de Estado para superar a crise, uma opção que o presidente chamou na terça-feira de "ficção política".
Le Pen aparece em uma posição de destaque nas pesquisas para chegar à Presidência, mas a Justiça pode frustrar o sonho da líder de extrema direita se, em 31 de março, decidir inabilitá-la de atividades políticas por cinco anos, como solicitou o Ministério Público em um caso de desvio de fundos europeus.
B.Foster--MC-UK